:: III. PRIMEIROS TATEIOS: O QUE É OBJETIVIDADE? ::
OBJETIVIDADE: Em sentido subjetivo: caráter da consideração que procura ver o objeto como ele é, não levando em conta as preferências ou os interesses de quem o considera, mas apenas procedimentos intersubjetivos de averiguação e aferição. Neste significado, a objetividade é um ideal de que a pesquisa científica se aproxima à medida que dispõe de técnicas convenientes. // Propriedade daquilo que vale independentemente do sujeito. P. ex., fala-se de objetividade dos valores ou do saber científico.
[Nicola Abbagnano, “Dicionário de Filosofia”. Pg 841.
Trad. de Alfredo Bosi. Ed. Martins Fontes.
Download da obra completa aqui.]
Vou tentar manter a coisa o mais concreta possível; a filosofia torna-se antipática aos leigos quando se perde em abstrações, como se perdesse o pé-no-chão e voasse em vagos céus conceituais. Imaginemos alguém muito pragmático que pergunte: “Há algum exercício prático que posso fazer para “treinar” a minha capacidade para a objetividade?” Um dos “métodos” que Nagel sugere é: tente olhar sua vida “como se a mirasse de uma grande altura”. Ou então, como eu prefiro sugerir, finja que há uma câmera de cinema que começa por filmar a sua cabeça, por cima, e que vai dando um zoom out constante, mostrando você sempre de mais e mais longe. Visto de cima de um poste. Visto do topo do edifício. Visto das mais baixas nuvens. Visto de um satélite que orbita o planeta. Visto de Marte. Visto dos limites da Via Láctea. Visto de fora da galáxia.
Ou então, terceira via, não tema embarcar numa onda sci-fi em seu auxílio: imagine como nosso sistema solar pareceria para alienígenas que fossem se acercando de nós em seu disco-voador, aproximando-se mais e mais. Pergunte-se, por exemplo: quão perto os ETs teriam que chegar para conseguirem alguma prova empírica de que há vida inteligente no planeta? Ou releia o início do clássico de H. G. Wells, The War Of The Worlds, que traz a eloquente imagem de que a humanidade toda pudesse aparecer para outras criaturas tão diminuta quanto são as bactérias que nós hoje estudamos com nossos microscópios:
“No one would have believed in the last years of the nineteenth century that this world was being watched keenly and closely by intelligences greater than man’s and yet as mortal as his own; that as men busied themselves about their various concerns they were scrutinised and studied, perhaps almost as narrowly as a man with a microscope might scrutinise the transient creatures that swarm and multiply in a drop of water. With infinite complacency men went to and fro over this globe about their little affairs, serene in their assurance of their empire over matter. It is possible that the infusoria under the microscope do the same…” (H. G. WELLS. Livro completo aqui.)
Não é difícil perceber, fazendo um experimento mental destes, e repetindo-o cotidianamente, que nossa auto-percepção começa a se modificar: a bexiga do nosso ego se desincha, como se alguns buracos a fizessem perder o ar que a preenchia, e vamos nos tornando cônscios do quanto somos diminutos e o quanto há algo de imenso lá fora do nosso euzinho e do nosso corpitcho. Tão cedo desaparecemos do quadro, tornados invisíveis pois demasiado pequeninos, assim que a câmera sobe pelos ares, olhando-nos cada vez de uma maior altura! Até que chega um momento que somos tão invisíveis para a câmera quanto um atómo ou um elétron é para os nossos olhos. Podemos até ser grandes em relação a um grão de areia, mas nós mesmos somos grãos de areia em relação com o Universo que nos contêm e que nos supera em imensidão de um modo aterrador, espantoso e fascinante…
Não assino embaixo do clichê que diz “uma imagem vale mais que mil palavras” (conheço alguns versos que valem mais que mil filmes…), mas apelo aqui para uma imagem por achar que isto tratá ainda mais concretude para este nosso tateio em busca do que significa “objetividade”. A fotografia abaixo foi tirada pela sonda Messenger de uma distância de 183 milhões de quilômetros em relação à Terra, com a câmera lá perto de Netuno…
Como explica Carlos Orsi, que escreve sobre astronomia para o Estadão,
“as duas bolinhas brancas perto do canto inferior esquerdo do quadro são a Terra e a Lua. Parafraseando Carl Sagan, todos os sábios, poetas, filósofos, tiranos, santos e genocidas; todas as pessoas que você conhece, ignora, respeita, despreza, ama ou odeia vivem, ou já viveram, suas vidas inteiras na bola maior. É lá também que estão todos os seus problemas, e esperanças. Todas as guerras e crimes, bem como todos os grandes e pequenos atos de sacrifício e generosidade já registrados em algum momento da história aconteceram lá. Já a bola menor marca a maior distância já viajada por membros de nossa espécie. É o limite atual da experiência humana.”
Acho que por enquanto é o suficiente em matéria de “exercícios psíquicos” de “treinamento para uma visão objetiva”. Suspeito que muitos leitores já sentem-se tentados a interromper a leitura “porque a coisa vai ficando mais e mais deprimente“. E, é claro, não é de se negligenciar este afeto poderoso que nos impulsiona a repudiar qualquer fato que destrua nossa auto-estima, que inflija uma “ferida narcísica”, para usar a célebre expressão de Freud… Esta é uma das razões que explica porque a objetividade é tão difícil, é tão rara; ela tem que ser conquistada, e numa luta contra nós mesmos e o que nossos corações desejam. Pois a história humana, se fosse vista por outros olhos que não os dos juízes interessados que somos, talvez não parecesse muito diferente do “épico aventuresco” da menor heroína de curta metragem de animação já filmada: a bonequinha de 9mm Dot, que “protagoniza” o “rolê microscópico” abaixo (dirigido por um certo “Sumo Science” usando uma nova tecnologia CellScope da Nokia):
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=CD7eagLl5c4]
Publicado em: 26/09/10
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia